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Quantificação do efeito da receita recebida na autodenominação como evangélicos em deputados federais de 2018 |
DOCUMENTO: SAR-2021-012-JG-v01 |
**De:** Felipe Figueiredo **Para:** Josir Gomes |
2021-10-18 |
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Sumário |
Quantificação do efeito da receita recebida na autodenominação como evangélicos em deputados federais de 2018
Histórico do documento
Versão | Alterações |
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01 | Versão inicial |
- AIC: Critério de informação de Akaike (do inglês, Akaike's Information Criterion)
- CI: Intervalo de confiança (confidence interval)
- CV: Coeficiente de Variação
- DP: Desvio padrão
- OR: razão de chances (odds ratio)
Aplicar método de seleção estatística ou redução dimensional de variáveis para selecionar as variáveis que têm maior contribuição na explicação da variância observada nos dados, e ajustar modelo de regressão logística para quantificar os efeitos das variáveis incluídas no modelo final.
Esta análise testou a hipótese de que deputados federais evangélicos que foram eleitos em 2018 podem ser identificados com base nas doações recebidas durante a campanha eleitoral, número de votos recebidos e outras características.
O posicionamento político dos deputados foi identificado pelo índice de Power e Silveira-Rodrigues que varia de -1 a 1, onde -1 é mais à esquerda e 1 mais à direita.
A capilaridade é um índice de 0 a 1 que indica quão ampla (sob o ponto de vista geográfico) foi a votação do candidato. Quanto maior o número de zonas eleitorais onde o candidato recebeu votos, maior o índice. Este indicador é a média dos percentis de cada zona eleitoral em que o candidato concorreu.
Criar um modelo explicativo para quantificar o efeito da receita recebida durante a campanha por deputados federais eleitos em 2018 na probabilidade de um deputado federal se autodenominar como evangélico, ajustado pelo número de votos e outras características dos deputados e seus partidos.
Base de dados recebida contendo características dos deputados federais eleitos em 2018. Todas as variáveis da tabela de dados analíticos foram identificadas de acordo com as descrições das variáveis, e os valores foram identificados de acordo com o dicionário de dados providenciado. Estas identificações possibilitarão a criação de tabelas de resultados com qualidade de produção final.
A classificação dos deputados como pertencendo ou à classe evangélica foi estabelecida por autodenominação, isto é, foram considerados evangélicos os deputados que se autodenominaram como tal.
Foram feitos ajustes de escala em variáveis para facilitar a interpretação das estimativas da análise de regressão. O número de votos foi padronizado em votos por 100 mil, a capilaridade foi padronizada em faixas de 10% e a Receita total em milhões de reais.
O desfecho primário está definido como a probabilidade de deputados se autodenominarem evangélicos explicada pela receita total recebida.
As seguintes características dos deputados federais foram consideradas para inclusão na análise: Número de votos recebidos, posicionamento político, capilaridade, a unidade da federação, o partido (sigla), o sexo e se é o primeiro mandato. As seguintes características dos partidos foram consideradas para inclusão na análise: decil do número de deputados eleitos e decil do número de filiados.
As receitas discriminadas em suas diversas origens não foram consideradas na análise, devido à baixa representatividade de valores em suas distribuições (figura A1).
As características dos deputados foram descritas, por estado, como média (DP)
ou frequência e proporção (%), conforme apropriado. As distribuições foram sumarizadas em tabelas e visualizadas em gráficos exploratórios.
As inferências foram baseados no modelo de regressão binomial. Como o desfecho primário é uma variável binária foi criado um modelo de regressão logística para quantificar a contribuição das variáveis disponíveis para explicar a associação com a classificação. Não foram incluídos efeitos de interação entre as variáveis. A técnica de seleção estatística de variáveis "para a frente" (stepwise forward-selection) para reduzir o número de variáveis que contribuam para a análise (Draper e Smith, 1981). Foi usado o critério de p<0,20 para inclusão no modelo multivariado. Os modelos criados foram comparados com o AIC. Todos os modelos de regressão foram criados sem intercepto.
Todas as análises foram realizadas ao nível de significância de 5%. Todos os testes de hipóteses e intervalos de confiança calculados foram bicaudais.
Esta análise foi realizada utilizando-se o software R
versão 4.1.1.
Em 2018 foram eleitos 116 (23% dos 512 deputados avaliados) deputados federais que se autodenominaram evangélicos. Destes, 29 (25%) estão filiados à igreja AD, 21 (18%) à igreja IURD e 15 (13%) à igreja Batista. Observa-se nas duas classes de deputados federais uma predominância do sexo masculino, com 91 (78%) homens entre os deputados evangélicos e 346 (87%) homens dentre as demais classes (Tabela 1). O deputado federal evangélico parece ter posicionamento político mais alinhado à direita, com índice de Power e Silveira-Rodrigues médio 0.7.
A maior parte dos deputados federais eleitos em 2018 foram eleitos em primeiro mandato. Dentro os deputados evangélicos 94 (81%) se elegeram pela primeira vez e 22 (19%) foram reeleitos. Os candidatos evangélicos obtiveram, na média, 127 mil votos, quando os outros deputados obtiveram 97 mil votos. Apesar da discrepância nas médias de performance de votos, a variabilidade deste indicador é substancialmente maior na classe de deputados evangélicos, com desvio padrão superior à média. A variabilidade entre os dois grupos pode ser comparada pelo CV -- o CV dos deputados evangélicos foi 157% enquanto nos outros foi 60%. Ambos os grupos tiveram capilaridade semelhante, em torno de 0.8 na média.
Os partidos tiveram desempenho comparáveis, onde tanto o decil do número de deputados eleitos como o decil do número de filiados ficaram na faixa entre 0,7 e 0,8 (Tabela 1). Os partidos que mais abrigaram os deputados evangélicos eleitos foram o PRB com 23 (20%) deputados, PSL com 16 (14%), PR com 10 (8.6%) e os partidos com menor representatividade desta classe foram PATRIOTA, PMN, PRP e PTC todos com 1 (0.9%) deputado.
Table: Tabela 1 Características dos deputados federais eleitos em 2018.
Características | Outros, N = 398 | Evangélico, N = 116 |
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Receita total (milhão R$) | 1.12 (0.68) | 1.08 (0.69) |
Capilaridade (10%) | 7.70 (1.57) | 8.05 (1.60) |
Releição vs primeiro mandato | ||
Primeiro mandato | 346 (87%) | 94 (81%) |
Reeleito | 52 (13%) | 22 (19%) |
Sexo | ||
Masculino | 346 (87%) | 91 (78%) |
Feminino | 52 (13%) | 25 (22%) |
Votos (100k) | 0.97 (0.58) | 1.27 (1.99) |
Desconhecido | 1 | 0 |
Índice de Power e Silveira-Rodrigues | 0.17 (0.50) | 0.42 (0.30) |
Decil do núm. de filiados | 0.79 (0.22) | 0.70 (0.20) |
Decil do núm. de deputados | 0.78 (0.22) | 0.74 (0.22) |
A receita total obtida pelos deputados evangélicos foi comparável aos demais deputados, com ambas as classes atingindo receita média superior a 1 milhão de reais. Os deputados evangélicos obtiveram, na média, 1.08 milhões de reais (desvio padrão 0.7 milhões, CV 64%) e os demais deputados 1.12 milhões de reais (desvio padrão 0.7 milhões, CV 60%). A amplitude das receitas observadas variou entre R$ 21648 e R$ 2507377 entre os deputados evangélicos e R$ 12075 e R$ 2500500 entre os demais (Tabela 1 e Figura 1).
A tabela 2 mostra as estimativas de efeito de cada variável que compõe o teste da hipótese central: de que há associação entre a receita total recebida durante a campanha pelos deputados federais do mandato iniciado em 2018 e a classificação como evangélico. A estimativa bruta (modelo univariado) está significativamente associada com a razão de chances de ser evangélico quando comparado aos não evangélicos e indica que os evangélicos tendem a receber 60% menos verba que os outros (OR: 0.41 (95% CI 0.35, 0.49; p<0.001)).
A seleção stepwise de variáveis incluiu no modelo o partido, o sexo, a capilaridade e o número de votos dos deputados, ajustando a estimativa do efeito da receita total. O método descartou a UF, o posicionamento político, os decis de filiados e deputados do partido e se a eleição foi para primeiro mandato ou reeleição. A inclusão das novas variáveis causou uma redução do AIC de 584.99 para 489.63, o que indica um ajuste substancialmente melhor do modelo aos dados. A estimativa ajustada do efeito da receita total indica um efeito menor que a estimativa bruta, onde a receita dos deputados evangélicos é aproximadamente 23% menor que os outros deputados (OR: 0.77 (95% CI 0.46, 1.27; p=0.3)). A OR ajustada não foi significativamente diferente de 1.
A interpretação conjunta destes dois resultados é que, na média, a receita total dos deputados evangélicos é menor que a receita total dos outros deputados. No entanto, o tamanho do efeito da receita, ajustado pelas outras variáveis, não pode ser estimado com precisão suficiente para quantificar sua magnitude. Ver Observações na seção 5.
Table: Tabela 2 Efeito da receita total recebida por deputados federais na autodenominação como evangélico; modelos não ajustado e ajustado após seleção estatística de variáveis.
Características | OR | 95% CI | valor p | OR | 95% CI | valor p |
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Receita total (milhão R$) | 0.41 | 0.35, 0.49 | <0.001 | 0.77 | 0.46, 1.27 | 0.3 |
Partido | ||||||
AVANTE | 0.25 | 0.03, 1.87 | 0.2 | |||
DC | 0.00 | >0.9 | ||||
DEM | 0.04 | 0.01, 0.24 | <0.001 | |||
MDB | 0.02 | 0.00, 0.16 | <0.001 | |||
NOVO | 0.05 | 0.00, 0.35 | 0.005 | |||
PATRIOTA | 0.05 | 0.00, 0.52 | 0.024 | |||
PC do B | 0.00 | >0.9 | ||||
PDT | 0.01 | 0.00, 0.07 | <0.001 | |||
PHS | 0.26 | 0.03, 1.92 | 0.2 | |||
PMN | 0.11 | 0.00, 1.46 | 0.11 | |||
PODE | 0.10 | 0.01, 0.70 | 0.024 | |||
PP | 0.03 | 0.00, 0.19 | <0.001 | |||
PPL | 0.00 | >0.9 | ||||
PPS | 0.00 | >0.9 | ||||
PR | 0.07 | 0.01, 0.43 | 0.005 | |||
PRB | 0.56 | 0.11, 2.89 | 0.5 | |||
PROS | 0.11 | 0.01, 0.80 | 0.035 | |||
PRP | 0.05 | 0.00, 0.61 | 0.037 | |||
PSB | 0.02 | 0.00, 0.10 | <0.001 | |||
PSC | 0.31 | 0.04, 2.59 | 0.3 | |||
PSD | 0.05 | 0.01, 0.26 | <0.001 | |||
PSDB | 0.05 | 0.01, 0.25 | <0.001 | |||
PSL | 0.04 | 0.01, 0.20 | <0.001 | |||
PSOL | 0.00 | >0.9 | ||||
PT | 0.00 | 0.00, 0.03 | <0.001 | |||
PTB | 0.05 | 0.00, 0.36 | 0.005 | |||
PTC | 0.08 | 0.00, 2.89 | 0.13 | |||
PV | 0.00 | >0.9 | ||||
REDE | 0.00 | >0.9 | ||||
SOLIDARIEDADE | 0.05 | 0.01, 0.36 | 0.004 | |||
Sexo | ||||||
Masculino | ||||||
Feminino | 3.18 | 1.61, 6.28 | <0.001 | |||
Capilaridade (10%) | 1.25 | 1.05, 1.49 | 0.012 | |||
Votos (100k) | 1.26 | 1.01, 1.73 | 0.10 |
O partido do deputado teve contribuição detectável dentre os fatores que explicam se o deputado é evangélico ou não. No entanto, foram considerados trinta partidos e esta análise não possui poder suficiente para detectar os efeitos relativos a todos. Pode-se identificar os partidos com proporção significativamente menor de deputados evangélicos quando comparado aos outros deputados: DEM, MDB, NOVO, PATRIOTA, PDT, PODE, PP, PR, PROS, PRP, PSB, PSD, PSDB, PT, PTB e SOLIDARIEDADE. Não foi possível identificar os partidos com maior participação de deputados evangélicos.
As deputadas mulheres pareciam ser maioria entre os evangélicos, sendo três vezes mais prováveis de se autodenominarem evangélicas quando comparadas aos homens (OR: 3.18 (95% CI 1.61, 6.28; p<0.001)). Apesar de obter uma receita menor os deputados evangélicos atingem uma capilaridade 25% maior quando comparados aos outros deputados (OR: 1.25 (95% CI 1.05, 1.49; p=0.012)).
Por fim, o número de votos parece ser um fator de confundimento.
O número de votos não está na cadeia causal entre a receita e a classificação como evangélico, e também está associado tanto com a classificação como evangélico (OR: 0.49 (95% CI 0.41, 0.59; p<0.001)), como com a receita total (0.50 (95% CI 0.44, 0.56; p<0.001). Como os critérios de confundimento foram preenchidos, esta variável foi mantida no modelo final para corrigir a estimativa do efeito da receita no desfecho do estudo.
Esta análise avaliou a associação entre a renda e a autodenominação dos deputados federais eleitos em 2018 como evangélicos. É importante ressaltar o estudo no qual esta análise se insere tem desenho transversal e portanto pode apenas fazer afirmações de associação, e não conclusões de causalidade. Ou seja, não é possível afirmar que a uma diferença na receita obtida durante a campanha foi um fator que influenciou ou determinou a decisão individual de um deputado em se autodenominar evangélico ou não -- pode-se apenas afirmar que há características comuns aos que se classificaram desta forma.
Quando apenas a receita recebida pro deputados federais foi considerada, a análise univariada indica uma associação negativa com a chance de um deputado federal se autodenominar evangélico, mas o efeito da receita não pôde ser quantificado na presença de covariáveis.
Diversas hipóteses podem explicar isto, das quais uma delas é a falta de poder para detectar consistentemente tal efeito. A inclusão do partido teve um impacto considerável no ajuste do modelo, pois é uma variável categórica com muitas categorias (30 partidos).
A UF não apresentou uma relação sinal/ruído suficientemente vantajosa para ser incluída, portanto o modelo ajustado não considera a estrutura geográfica dos dados. Assim como o partido, esta variável também poderia impactar negativamente o ajuste do modelo final devido ao número de categorias a serem incluídas (27 unidades).
Por fim, o número de votos foi identificado como um fator de confundimento na análise. De fato, além da grande variabilidade percebida no grupo dos evangélicos, o número de votos também possui valores extremos (outliers), o que dificulta a interpretação dos resultados. Dentre os candidatos com mais votos, um obteve receita superior a dois milhões de reais e dois obtiveram receitas bem abaixo da média, em torno de 200 milhões de reais. Como o número de votos é determinante na eleição, a variável foi mantida no modelo para corrigir o confundimento causado entre as variáveis de interesse da análise.
Durante a campanha os deputados federais evangélicos recebem, tipicamente, uma receita total menor quando comparados aos outros deputados. Apesar disso, eles
atingem capilaridade 25% maior que os deputados não evangélicos. Deputadas mulheres têm três vezes mais chance de serem evangélicas do que homens.
Os partidos com menor proporção de deputados evangélicos são o DEM, MDB, NOVO, PATRIOTA, PDT, PODE, PP, PR, PROS, PRP, PSB, PSD, PSDB, PT, PTB e SOLIDARIEDADE. Não foi possível identificar os partidos com maior participação de deputados evangélicos.
- SAP-2021-012-JG-v01 -- Quantificação do efeito da receita recebida na autodenominação como evangélicos em deputados federais de 2018.
- Draper, N. and Smith, H. (1981) Applied Regression Analysis, 2d Edition, New York: John Wiley & Sons, Inc.
Tanto este documento como o plano analítico correspondente (SAP-2021-012-JG-v01) podem ser obtidos no seguinte endereço:
https://philsf-biostat.github.io/SAR-2021-012-JG/
Os dados utilizados neste relatório não podem ser publicados online por questões de sigilo.
id | partido | uf | capilaridade | primeira | sexo | evangelico | num_votos | posicao | decil_filiados | decil_deputados | total_receita |
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514 |
Table: Tabela A1 Estrutura da tabela de dados analíticos
**Figura A1** Distribuição das receitas de deputados federais, por origem (agp = receita que veio do Partido ao invés de apoiadores privados (empresariais ou não); agr = setor agrícola; com = setor do comércio; fin = setor específico dos bancos e outras instituições financeiras e imobiliárias; ind = setores da indústria; inf = setor de infraestrutura; pf = pessoa física; rp = recursos próprios; ser = setor de serviços).